domingo, agosto 20, 2006

A pesca (primeiro, de três episódios)

Gentes,

Existem algumas características pessoais que são antagônicas. Como a modéstia e a soberba.

O pescador soberbo costuma afirmar: “Peguei um lambari de 18 Kg!”. Por sua vez, o pescador modesto afirma: “Sou tão ruim em pesca que nem sei onde fica a peixaria!”

Eu não sou nem soberbo e nem modesto.Apenas, gosto de pescar. Mas, uma “pescazinha bem simplesinha”, caipira, de vara feita de bambu, lá no lago principal do sítio, em Itatiba. Não tem dourado, pintado, nem tucunaré. Muito menos atum ou bacalhau, que o lago não tem, assim, o tamanho do Oceano Atlântico! Não! O lago é bem modesto, bem como modesta é sua população aquática. Tem tilápias, lambaris, traíras, patos, marrecos, garças... Jacaré não tem. Uma ocasião, pesquei um bagre. Não um baaAAAAAAAgreee!. Apenas, um bagrinho. Se tem um, presume-se que tenha mais. Outra ocasião, peguei um caranguejo. Ou melhor: foi ele que pegou minha isca, com uma de suas pinças. Tanto que, quando levantei o anzol para fora d’água, ele o soltou e caiu no chão. Fiquei espantado. Nunca iria imaginar de pegar um bicho daqueles, naquele lago. Com o pé, calçado com uma excelente e grossa bota, que eu não sou besta, empurrei-o de volta para a água.

Os empregados me confirmaram a existência de bagres e caranguejos. Isso foi muito significativo. Significava que, durante a semana, enquanto os patrões Amélios estavam em São Paulo, eles pescavam à vontade!

Mas, vamos deixar de lero-lero e passemos aos fatos. Ou, episódios.

1º EPISÓDIO, no qual a Nina fica pendurada, como o bondinho do Pão de Açúcar, e desiste das pescarias para o resto da vida.

Isto foi no primeiro ano da compra do sítio.

A Luciana tinha pouquíssimo tempo. A Nina começou a dar a mamada da meia-noite. E eu com uma pressa doida para ir pescar. Mas, tinha que esperar por ela. A Luciana não tinha pressa nenhuma! Leite havia à vontade. Tanto que minha mãe chamava a Nina de “vaquinha”. No bom sentido!!! Finalmente, uma da madrugada, Luciana já tendo arrotado e pego no sono, lá fomos os dois para o lago.

Lógico que eu não ficaria contente com uma pesca feita da margem. Não! Tinha que ser em alto-mar. Ou, em alto-lago. E, assim, fomos para o cais.

O cais, na verdade, era um pequeno estrado de madeira, de pouco mais de metro quadrado, fixado em quatro estacas de madeira fincadas em terra e no início da água. Na beirada principal, que dava para a água, uma grade de ferro, dessas de janelas, destinadas a nos dar falsa impressão de segurança, já que os ladrões as arrancam com muita facilidade, fazia as vezes de escada metálica que conduzia à embarcação aí aportada. A embarcação, que não passava de um bote de madeira de, quando muito, uns dois metros de comprimento, ficava amarrada nessa escada.

Mas, a função do cais, não era apenas o embarque dos passageiros na nau... na embarcação... no bote! Não, havia outra utilidade. Era sobre o cais que, nas noites enluaradas, como aquela, dormiam os patos. E era pato que não acabava mais! Dezenas, centenas, milhares de patos, sei lá! O que sei é que eles tomavam todo o espaço do cais! Centímetro por centímetro. E tem outra coisa. Gente, como pato é porcalhão! O tablado do cais era, além de dormitório, o seu banheiro. E o banheiro... bem, usado milímetro por milímetro.

Mas, eu queria pescar! Estava doido para pescar! Chegando ao cais, fui abrir caminho por entre os patos. A maioria, assustada, atirava-se, voando, na água. Outros, fugiam para trás, por terra. Me senti o próprio lobo mau invadindo um galinheiro.

Entramos no barco e fomos para o meio do lago, onde lancei a âncora (quatro tijolos amarrados). Coloquei um pedaço de minhoca no anzol e... pliffff. Comecei a pescar. A Nina ficou olhando para a minha cara (tinha luar, não esqueçam!).

-Você não vai preparar o anzol para mim?

-Tá preparado, amarradinho aí na ponta da linha.

-E a isca?

-Dentro dessa lata. É só pegar uma minhoca, cortar um pedacinho com a unha e enfiar no anzol.

-E você acha que eu vou pegar minhoca com a mão? Além disso, eu não vou conseguir espetá-la no anzol. Eu vou é espetar o meu dedo.

Haja paciência! Suspendi o anzol, prendi a vara para que ela não caísse na água, e, com muita paciência, preparei o anzol para a Nina. Passei a vara para ela e fiquei olhando. Eu tinha certeza de que ela iria jogar a vara na água e segurar o anzol. Pliffff... Jogou o anzol e ficou segurando a vara de pescar. Ufaaa!!!

Pliffff... Voltei a pescar.

-Tem pernilongo.

-Lógico! Você cheira a leite. Tá atraindo todos os pernilongos, daqui até o Japão. Fica quietinha que você está espantando os peixes.

E tinha os patos.

Gentes. Pato acordado de madrugada, vai nadar na lagoa. Podem acreditar. E pato, além de porcalhão, é curioso. E eles vinham nadar pertinho do barco para ver o que estava acontecendo. Sim! Acredito que era mera curiosidade. Nunca ouvi falar que pato fosse atraído pelo cheiro de leite.

Pliffff... pliffff... plifff... e nada de peixe.

Urruuuu... urrruuuu...

-Que foi isso!!!!

-Nada. É só uma coruja.

-E não é perigoso?

-Se você ficar quietinha ela não te enxerga e não vem te pegar.

Silêncio.

Meia hora depois, com muitos pios de coruja, patos nadando em volta do barco, pliffffs e mais plifffs, reclamações sobre pernilongos,além de dúvidas do tipo “Será que a Luciana acordou?”, que provocavam respostas do tipo “Se isso acontece, até o presidente da república vai ouvir. Fica quieta que você está espantando os peixes!”, resolvi encerrar a pescaria, para alegria da Nina.

Recolhidas as varas, recolhida a “âncora”, remei para o cais. Não sem, antes, atirar as minhocas restantes nos patos, que gritaram alegremente:

-Obaaaaa!!! Presunto!!!

Chegamos ao porto. Com toda a paciência do mundo, disse à Nina:

-Pega essa corda e prende no ancoradouro.

-Mas está tudo sujo. Onde vou prender a corda?

-Amarrrraaaaaaaaa!!!!

Gentes, ceis já viram alguém sem jeito? Mas, bem sem jeito? A Nina é mais sem jeito, ainda.

Na hora em que ela ia amarrar a corda na grade de ferro, ela conseguiu dar um impulso no barco e ele foi para trás. Em direção ao meio do lago. Acontece que ela já estava com quase meio corpo para fora do barco.

Gentes, o instinto humano de conservação é uma coisa impressionante. Para não cair na água, ela soltou a corda e se agarrou na primeira coisa que estava à mão: a grade de ferro do ancoradouro. Toda cheia de cocô de pato! Em uma fração de segundo, ela ficou completamente no ar, esticadinha na horizontal, os pés segurando a borda do barco, as mãos enterradas no cocô da grade ferro, e. alguns centímetros abaixo, a água. Não sei por que, mas, naquele momento, lembrei-me do bondinho aéreo parado, no meio do caminho, entre os morros da Urca e do Pão de Açúcar.

O momento era de emergência total e eu reagi da melhor forma que eu podia: cai na gargalhada! A sorte é que ela estava com as mão ocupadas, agarrada ao cocô. Caso contrário, ela me agrediria com um remo.

Depois de um certo tempo, quando me acabou o estoque de gargalhadas, eu consegui acudi-la, prender o barco, e voltar para terra.

Em casa, a Luciana dormia tranqüilamente.

Por enquanto é isso. Depois, vem o segundo episódio.

Abração

JF


(Publicado, originalmente, na lista de discussão NESO, 19/08/2006)

A verdadeira história do Teorema de Pitágoras

Gentas e gentos,

Vocês sabem que sou dotado de duas grandes virtudes: cultura e modéstia. Em matéria de cultura, não há quem me sobrepuje. Em modéstia, também não.

Isto posto, vamos à história do Pitágoras e seu famoso teorema. Na verdade, a história não é invenção minha. Alguém me contou. Apenas os detalhes (onde, quando, como) é que são o resultado de profundas pesquisas por mim realizadas.

Vocês lembram do Teorema de Pitágoras? Era o terror que nossos professores de matemática nos enfiavam na cabeça, quer quiséssemos, ou não, na época em que cursávamos o ensino básico. Mas, por que o Pitágoras ficou tão famoso com essa história toda? Eu explico.

Pitágoras era um professor de matemática. Isto é evidente! Mas, onde ele exercia seu ofício? Em Portugal, a terra dos nossos queridos José Andrade, Florinda e Teresa Silva. Mais precisamente, ele era professor de matemática em uma academia militar.

Acontece, entretanto, que, matemática enche o... E o Pitágoras, solteiro, passou a frequentar a alta sociedade de uma aldeia próxima, a ver se conseguia alguma rapariga jeitosa, para casar. E não é que encontrou?

Muito bom. Casou-se. E, como quem casa quer casa, Pitágoras, e sua esposa, logicamente, montaram sua própria casa.

Mas, o Pitágoras, professor de matemática, não tinha uma conversa muito atraente, digamos assim: uma conversa redonda como uma boa cerveja. Não! Era só: a mais b ao quadrado, c ao quadrado, etc. E a esposa foi ficando de ... cheio de tudo aquilo. E, aos poucos, não correspondia mais às conversas do Pitágoras.

O Pitágoras começou a desconfiar de que havia alguma coisa errada e comprou um revolver.

Um dia, um professor de português, um tal de Prof. Luiz K. Mãos, faltou, e o Pitágoras pode antecipar o horário de suas aulas. Muito conveniente, pois assim, iria mais cedo para casa.

Conveniente? Não. Foi isso que causou a tragédia.

O Pitágoras chegou em casa mais cedo. Abriu a porta e não viu a esposa. Devia estar no andar de cima. Resolveu surpreendê-la, subindo a escada sem nenhum ruído. Pois surpreso ficou ele, ao encontrar a esposa na cama, nua, na companhia de dois cadetes da academia. Não teve dúvidas. Sacou a arma e, com três tiros certeiros, matou os três.

O Pitágoras, como bom professor de matemática, era um sujeito muito meticuloso e deu ordens para que os três fossem enterrados no cemitério local: os dois cadetes à esquerda e, à direita, a esposa. Mais meticuloso ainda, ordenou que as covas fossem tapadas com grandes lápides quadradas de mármore. Quadrados perfeitos, não esqueçam que o Pitágoras era matemático. Mas, a lápide da esposa seria bem maior que a lápide dos infelizes estudantes da academia militar. Mais precisamente, teria uma superfície de tamanho equivalente à soma das lápides dos dois felizes infelizes. E, assim foi feito.

No dia seguinte, o mundo todo tomou conhecimento do ocorrido, através das manchetes dos jornais sensacionalistas:

"A SOMA DOS QUADRADOS DOS CADETES É IGUAL AO QUADRADO DA HIPÓCRITA LUSA"

E, assim, através dessa frase tão simples, mas, tão significativa, o Pitágoras passou à categoria dos matemáticos conhecidos mundialmente.

JF

(Publicado, originalmente, na lista de discussão NESO, aos 19/08/2006)

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

de pássaros, cobras e orquídeas

Oi, gente.

Estou procurando antigos "causos", para reuní-los no meu... como é mesmo o nome, Lu? Blog? Blug? Blogger? Bom! Isso daí.

Localizei este em 09/05/2003, na antiga lista de discussão Mundo Orquidófilo-BR. A
resposta foi motivada por uma questão levantada por minha amiga Jane, de Macaé-RJ, pedindo uma orientação ao grupo de orquidófilos.

Abração
JF


Passarinhos (MO 09/05/2003)

"--- Em mundoorquidofilo@yahoogrupos.com.br, "Jane..." escreveu
> Oi Ilka
>
> Desculpe entrar na conversa, mas é que você falou em árvores com passarinhos... e eu estou tendo um probleminha com eles. Não tenho orquídeas em árvore, pois no meu quintal não tem árvore, mas como moro em um condomínio com muitas árvores está acontecendo o seguinte: os passarinhos estão invadindo o meu orquidário e "roubando" o xaxim dos vasos para fazer ninho. Tem um que está tentando fazer ninho em um cachepô de madeira onde tenho uma C. granulosa.
> O que os amigos me aconselham? Só não vale dizer para não usar o xaxim, pois teria que reenvasar tudo (perto de 200 vasos).
>
> Abraços a todos
>
> Jane - Macaé - RJ"


Jane

A solução para esse problema é muito simples: vai pondo mais xaxim!!! Completa o que eles tiram!!!

Uma parte das minhas plantas fica em SPaulo, no terraço do meu apartamento (13º andar). Uns 80 vasos. Costumo receber a visita, diversas vezes ao dia, de passarinhos: corruiras, tico-ticos e até beija-flor. É incrível, mas é SÃO PAULO mesmo!!! Não reparei se eles carregam xaxim. Apenas que tomam água (quando as plantas ainda estão molhadas, depois de regas) e que devem procurar por bichinhos, pois
não tenho problemas com pulgões, cochonilhas, lesmas, ou lá o que for. Mas, acima da utilidade que acho que eles tem, está a beleza de tê-los em meu terraço. Isso não tem preço!

No sítio, também não tenho notado esse tipo de problema, embora eu tenha voltado às plantas cultivadas em vasos (e com xaxim) há relativamente pouco tempo: ano e meio. Mas nas árvores... Não vejo nenhum prejuízo. Já aconteceu de eu precisar remover uma enorme touceira de Oncidium flexuosum e encontrar um ninho com ovos escondido no meio dela. Pois a touceira ficou no mesmo lugar até que os filhotes nascessem e tomassem seu rumo. Levou meses. Mas a prioridade era deles.

Mudando de passarinho prá cobra: na minha primeira fase de orquidofilia, anos 70, tinha meu orquidário, no sítio, encostado em um barranco. Sei lá por que, tinha uma cobra que vinha quase diariamente "admirar" minhas orquídeas. Ela vinha por cima, pelo barranco, e ficava passeando pelo meio dos vasos pendurados. Como eu tinha o costume de pegar cobras e aranhas e doar ao Instituto Butantã (mania que terminou no dia em que uma cobra escapou dentro do porta-malas do meu carro!!), eu já tinha um certo conhecimento sobre elas. Assim, quando da primeira vez em que vi aquela cobra
esverdeada, com o rabo que ia se afinando aos poucos, bem comprido, percebi que não era venenosa e a deixava à vontade dentro do orquidário (se bem que, quando nós dois estávamos lá dentro ao mesmo tempo, com o canto do olho eu ficava vigiando. Venenosa ou não, eu não sou besta!!!). E esse convívio durou meses. Um dia, porém, eu me
distrai e esqueci dela. Me abaixei para pegar qualquer coisa no chão. Quando levantei, ela estava na bancada e ficamos os dois assim: um olhando pro outro, cara a cara, olho no olho. Aí já foi demais!! Ter uma cobra te encarando, a 50 cm. do seu nariz, venenosa ou não, não é das coisas mais agradáveis. Principalmente sendo uma
cobra de mais de um metro de comprimento. Tomei o maior susto. Pulei prá tráz e peguei a mangueira de água. A coitada da cobra levou um banho que ela deve estar se secando até hoje! Com uma agilidade impressionante, alcançou os vasos pendurados e fugiu para o barranco. NUNCA MAIS voltou! Ficou magoada!!

Coisa engraçada. Eu me assustei e reagi. Ela ficou olhando para mim, esticada, a uma distância em que eu poderia pegá-la com a mão (isto é mera hipótese, naturalmente!), sem tomar qualquer atitude de defesa, de agressão ou mesmo de fuga. Teria se acostumado de tal forma comigo, que não via nenhum perigo? Não sei e nem perguntei.
Talvez a psicóloga da lista, a Gabriela (que diz que costuma rir das minhas histórias), possa explicar tudo isso. Afinal, tinha um ministro que dizia que cachorro também é gente. Essa cobra quase que se podia dizer que tinha atitudes humanas.

Jane: deixa o passarinho fazer seu ninho!!!

Grande abraço
José Francisco
SP/Itatiba/Vinhedo

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

O Pó da TV Gazeta

Era ali por 1976, mais ou menos, mês de novembro, época de exposição do Círculo Paulista de Orquidófilos. Qualquer publicidade era desejável e bem vinda.

Alguém conseguiu que fôssemos entrevistados no programa da Clarice Amaral, na TV Gazeta, sem pagamento algum à sua produção! Apesar de ter uma audiência minúscula, essas coisas aconteciam. Mesmo porque, eles tinham de viver, não é mesmo? E lá fomos nós, o João Vaz da Rocha e eu, numa sexta feira à tarde, para a entrevista com a Clarice Amaral.

A Clarice tinha um programa assim como o da Hebe Camargo. Eu não diria que a Clarice fosse uma precursora jurássica da Hebe Camargo. Nessa época, a Hebe já era velha.

A TV Gazeta estava instalada no mesmo prédio que o Cursinho Objetivo, na Avenida Paulista.

Agora, imaginem o Vazinho, com seu metro e meio de altura e eu, cada um com meia dúzia de vasos de orquídeas floridas pendurados por seus suspensórios metálicos em nossos dedos das mãos, indo do estacionamento onde ficara o carro até o edifício, subindo aquelas escadarias no meio da estudantada espantada ("De onde será que vieram esses dois doidos enternados e engravatados carregando essas plantas?") e, pior de tudo, entrando com toda essa tralha em elevadores lotados!

Chegamos ao estúdio. Pessoal, nunca vi tanto cabo elétrico correndo pelo chão, para todos os lados. Um lugar muito bom para a atuação da dupla alemã Kurtz e Circuitz. Então era por isso que tanta emissora de televisão pegava fogo, naquela época!

Um produtor veio nos receber e sua primeira pergunta foi sobre as plantas: se eram presente para a equipe de produção. Toca explicar que não podia ser. Eram plantas de expositores, especialmente levadas para enfeitar o programa da Clarice Amaral. Aí, pediram-me que redigisse as perguntas que a Clarice iria fazer para mim (o Vaz da Rocha não apareceria. Não havia condições de duas pessoas serem apresentadas ao mesmo tempo. Falta de espaço). Redigi as perguntas.

Estava sendo preparado o "palco" para o programa. Palco era uma forma de falar, afinal, não tinha público. Era um salão, com um cortinado no fundo, fazendo "papel" de cenário. Um sofá para duas pessoas e meia (acho que a Clarice não queria ficar encostada em mim. Eu, pelo menos, não queria ficar encostado nela! Mesmo porque, a Nina estava em casa assistindo o programa. E, a um metro do sofá, uma mesa, sobre a qual estenderam uma toalha e nós acomodamos as orquídeas. Vocês já perceberam que o programa era "ao vivo", não é mesmo? Não lembro se nessa época já existia o video-tape, mas era querer demais da TV Gazeta. As câmeras... Melhor dizendo: a câmera era daquelas antigonas, maior que uma caixa de papelão de embalagem de computador! Eu disse "A" câmera porque era uma só. Parece que as demais estavam quebradas. Ao menos me explicaram assim.

Começa o programa. A Clarice faz suas saudações aos telespectadores paulistanos (a Nina, minha sogra, meus filhos, e mais uma meia dúzia de orquidófilos previamente avisados), e anuncia a primeira entrevista da tarde: o presidente do Círculo Paulista de Orquidófilos. O câmera-man desviou a câmera da cara dela para a minha, que vinha entrando no "palco". Sentei-me, e o câmera-man desviou a objetiva para ela. E começou a entrevista.

Aqui, interrompo um pouco, para descrever melhor o ambiente. Quase dezembro, calor de rachar. Um salão fechado sem qualquer refrigeração. A única coisa que amenizava ligeiramente o calor era um ventilador, no chão, na nossa frente, em local onde o câmera-man não o derrubasse. O ventilador era desses tipo "prá onde eu olho?". Sabem como é? Ele vai ventilando (vrrrrrrrruuuuuuuuummmmm) e deslocando suas hélices para direita, para a esquerda, para a direita, para a esquerda, incessantemente, enquanto não enguiça. E aquele não enguiçou. O câmera-man fazia milagres. Focalizava a Clarice, me focalizava, voltava na Clarice, ia até a mesa de orquídeas, voltava na Clarice...

E a Clarice? Bom, ela ainda não havia terminado de se compor, quando o programa precisou ir para "o ar". Acredito que não havia maquiadores, pois ela mesma estava se colocando os cílios postiços. Então, a coisa funcionava assim: o câmera-man fixava-se nela. Ela, brilhantemente, me fazia uma pergunta bem inteligente (que eu mesmo havia redigido previamente). O câmera-man vinha com o foco na minha direção e eu começava a responder. Nesse meio tempo, a Clarice jogava a ficha que havia acabado de ler para longe da visão, pegava um espelho de mão e ficava tentando ajeitar seus cílios (postiços). E eu lá respondendo. O câmera-man se enchia (desculpem o termo) da minha cara, voltava a câmera na direção dela, mas passando por cima, mostrando detalhes do cortinado (vocês não imaginam que ele fosse mostrar a Clarice grudando cílios postiços nos olhos, né?) e descendo para as orquídeas. Como eram poucas, logo ele voltava, passando sobre a cabeça dela, novamente, e me fixando. Quando eu terminava de falar, ela percebia que eu já havia respondido e punha seu espelho de lado e pegava mais uma ficha, para poder me fazer outra inteligente pergunta.

Mas, gente, tudo ali era de uma precariedade total. O chão, acho que não via uma vassoura desde a época do descobrimento do Brasil (se é que os índios varriam chão. Se não varriam, então nunca fora varrido!).

E foi aí que aconteceu o desastre. Lembram do ventilador vrrrrrrruuuuummmmmrando de um lado para outro? Pois é. Numa das idas e vindas do ventilador, ele resolve jogar um cisco bem dentro de um olho da Clarice Amaral. Gente, já vi mulher ficar brava! Mas, como aquela, não! Ela se contorcia tentando enxergar o cisco com seu espelho, bem seguro em uma das mãos. Com a outra mão, ela coçava o olho. Mais a outra mão também coçando o olho, e com cuidado para não derrubar de vez os cílios. A outra mão, gesticulava contra tudo e contra todos. E mais a outra mão... Numa hora dessas, as mãos se multiplicam.

E eu lá, respondendo à pergunta. O câmera-man não mais me tirou do foco. E ele era louco? A resposta chegou ao fim. Só que ela não se preparou com outra ficha (ela nem sabia mais onde estava!), a fim de me dirigir outra inteligente pergunta. Agora, era eu sozinho contra o mundo. Continuei falando. Eu mesmo me fiz a pergunta seguinte e respondi. E, assim, fui até o final da entrevista, afinal, ela não tinha mais condições de me perguntar nada. Quando ela, finalmente, conseguiu se recompor um pouco, ela agradeceu minha presença (nessa hora, timidamente, o câmera-man voltara a focalizá-la) e encerrou a entrevista. E a TV Gazeta jogou "os comerciais". A mulher saltou do sofá, como se trinta e oito molas tivessem se soltado, ao mesmo tempo, bem em baixo do... você sabem!... dela. O Vaz da Rocha e eu percebemos que, ali, naquela hora, provavelmente ocorressem agressões físicas. Tratamos de pegar as orquídeas e sair correndo...

Abração

JF

(extraído de lista NESO, publicado em 09/01/2006)