quinta-feira, outubro 11, 2007

TATU É TRETA!


Oi, pessoal.


Recuperei esta crônica na lista de discussão NESO. Na época, dezembro de 2005, meus pais, Amélio e Amélia, estavam com 90 e 88. Infelizmente, em fevereiro último, faleceu minha mãe. Esta historinha é uma homenagem à sua dedicação à natureza.


TATU É TRETA!

"Ai Tatu! Tatuzinho,
Me abre a garrafa
e me dá um poquinhonhonhonho!!!"

Gentes,

Vocês lembram desse antigo comercial de pinga?

Meus pais já moram no sítio há muitos anos. Nascidos no interior de São Paulo, depois de construírem sua vida na capital, retornaram à vida do interior. Se bem que, agora, essa vida já não tem mais nada a ver com a vida de antes dos anos "vinte", quando eles nasceram.

Mas, estão lá em Itatiba, firmes!

Uma das coisas que meu pai mais gosta é ver a terra produzindo. Só que, com 90 anos e praticamente sem visão, e num sítio com relevo bem acidentado, o "seu" Amélio já tem dificuldades para se locomover por lá. Ao lado da casa, temos um antigo e pequeno terreiro de secar café. Não é muito grande. Talvez uns quinze metros de comprimento por quatro ou cinco metros de largura. O chão é revestido de antigos tijolos e é levemente caído para um dos lados, para evitar acúmulo de água. E, para alegria de meu pai, resolvemos transformar essa área em horta. Foram construídos murinhos de 30 cm de altura, dividindo a área em duas enormes floreiras. Ou “verdureiras”, se preferirem.

Um empregado muito caprichoso colocou uns pilares de madeira e cobriu tudo com "sombrite". Foram colocados portões e, em um dos lados, mais "perigoso", foi colocado telado de galinheiro. Assim, o Heros, o Scooby, o Haroldo, e os demais cachorros ficaram impedidos de entrar no local.

"Seu" Amélio, com grande entusiasmo, trouxe da "agro-pecuária" bandejas e mais bandejas com mudinhas de 4.538 (ou quase isso! rsrsrsrs) variedades de alfaces, couves, rúculas, almeirão, e tudo o mais de verduras a que tinha e não tinha direito. Logicamente, sem esquecer das sementes de cenoura, erva-doce, pepino, etc.

A horta ficou uma lindeza. Todo mundo gostou. Principalmente o empregado que já não precisava mais ir cuidar da horta lá em baixo da barragem do último lago, em baixo de um solzão terrível. Uma grande "poupança" de pernas. Meu pai, herbívoro contumás, ficou feliz de ter suas verduras bem ao lado da casa, onde, apesar de sua dificuldade, pode, não digo vê-las, mas vislumbrar-las. Os filhos também ficamos contentes. Antes, dava preguiça de andar aquelas 200 léguas, até lá embaixo, na horta, para garantir as verduras da semana! Agora, não! As verduras estão bem ali, ao alcance da mão, para felicidade do nosso dinheirinho e desespero dos donos do super-mercados!

Sábado fui ao sítio. Lá, tomei conhecimento do desastre.

O empregado, logo cedo, entrou na horta para os seus afazeres. Ao passar pelo portão, viu pés de alface esparramados por todos os lados, misturados aos pés de rúcula, de couve, de almeirão, de acelga, e todos os demais verdes. A terra dos canteiros totalmente revirada, deixando à mostra um bando de cenouras desenterradas. Seria suicídio coletivo? Os legumes teriam se revoltado contra as verduras? Seria a sublevação dos vegetais? Era preciso apurar. E ele deu início ao inquérito!

O culpado? Lá estava ele, todo formoso, em um canto, olhando pela ponta de seu focinho gozador, para o atônito Cícero, que, nessa hora, esquecendo-se da eloqüência com que o seu homônimo, o ilustre Cícero romano, convencia seus opositores, passou a mão em uma enxada e partiu para cima do enorme e fortemente encarapuçado tatu, disposto, também a convencê-lo de seus erros, mas de uma forma mais contundente.

Para sorte do tatu, nesse momento chegou a Dona Amélia, que, apesar de seus 88 anos, e depois que operou da catarata, tem a visão mais firme que lince, mais forte que consciência vigilante, viu tudo, e é, acima de todas as coisas, ecologista fanática, ferina, firme, foribunda e furiosa. Sob o olhar severo de Dona Amélia, o Cícero teve de engolir toda a sua "eloqüência" e apenas espantar o bichinho de quase um metro para fora da horta. E, assim, a farra do tatu, que ele pretendia que fosse a festa do tatu, acabou em fiasco do tatu, expulso à força. E acabando-se, assim, o fuzuê do tatu.

Esta semana eu não trouxe verduras do sítio, mas ficou uma lição: tatu não sabe abrir portão, mas sabe muito bem passar por baixo de alambrado de galinheiro! hehehehehehe!

Abração
JF
São Paulo e Itatiba-SP

Publicado, originalmente, na lista de discussão NESO, aos 07/12/2005.