segunda-feira, setembro 06, 2010

JUVENTUDE TRANSVIADA

Fui professor durante 22 anos em cursos técnicos, nível de segundo grau.
O ensino mudou e os cursos técnicos de contabilidade desapareceram. Segundo grau, o antigo colegial, nem sei mais como se chama.
Feriados no meio da semana eram terríveis. Eu tinha que ir à escola, do outro lado da cidade, depois de um dia inteiro no escritório, mesmo sabendo que os alunos não compareceriam. Chegava lá, o diretor, pesaroso, me comunicava que os alunos haviam “enforcado” as aulas e, portanto, ele lamentava que eu tivesse perdido meu tempo e a viagem para nada. Pedia desculpas e... me dispensava.
Certa vez, por qualquer razão que não lembro mais, fui para a escola sem o carro, de metrô. Chegando lá, o diretor me dispensou, já que os alunos não haviam comparecido. Mais uma vez, embarquei no metrô, lá em Santana, com destino ao Centro. Porém, era uma quarta feira, véspera de feriado, e resolvi aproveitar e fazer um “programa” diferente: fui rever os amigos na reunião semanal do Círculo Paulista de Orquidófilos, associação que eu frequentara por bastante tempo e da qual me afastei quando comecei com as aulas noturnas.
No final da reunião, quase onze da noite, um desses amigos, o Augusto ..., se prontificou a me levar até minha casa. E lá fomos nós.
Nessa época, a Avenida Brigadeiro Luis Antonio ainda “dava mão” para os automóveis, no sentido Centro/bairros. O Augusto, grande amigo, hoje já na casa dos oitenta anos mas muito bem de saúde, graças a Deus, gostava muito de falar. E sua fala entusiasmada era acompanhada de muita movimentação dos braços. E lá fomos nós, subindo a Brigadeiro, o Augusto falando, e falando, e falando, os braços parecendo hélices de avião, mal controlando a direção do carro, mas com o entusiasmo a mil. Fomos chegando ao cruzamento da Rua São Carlos do Pinhal, e meu amigo Augusto falando, e falando, e gesticulando. A Avenida Paulista já bem próxima, eu de olho lá na frente, no semáforo que já entrava para o amarelo. Será que ele percebeu? Eu torcia pelo sim, mas não tinha certeza e nem como interromper sua fala. Estava tão entusiasmado que não me ouviria. As luzes se transformaram em vermelho. Vermelho cor de sangue! E o Augusto falando. E gesticulando! E o cruzamento se aproximando! O vermelhão do semáforo cada vez mais perto! E o carro sem diminuir a velocidade! E o Augusto falando! Mas, ainda dava tempo para uma boa freada... que não veio. Eu só tive tempo de me afundar no meu banco, com os olhos mais fechados que cofre de banco. Não vi mais nada. Apenas ouvia o Augusto que falava, que falava, que falava... sem parar. O tempo foi passando, não sei se muito rápido ou se lentamente, mas houve tempo para que minha vida inteira passasse pela minha mente... E o Augusto continuava falando, e falando...
Resolvi dar uma checada. Levantei um pouco a cabeça, abri só um olho, e espiei para fora. Já estávamos cruzando a Alameda Santos, um quarteirão depois do cruzamento da Brigadeiro com a Paulista. Respirei aliviado e me endireitei no banco. E fiquei ouvindo o Augusto falar até minha casa. Falar e gesticular.
Hoje, já posso contar para minhas netas:
“Pois é! O vovô era muito doido! Quando mais jovem, fazia “roleta russa” na Avenida Paulista.”
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Abração e até mais,
JF