Sempre ganhei muitas garrafas de bebidas. Até hoje,
clientes, amigos, parentes, me presenteiam com garrafas de whisky, conhaque,
saquê, vodka, vinhos os mais diversos. Gosto muito de bebericar uma boa bebida, embora não seja propriamente um alcoólatra, apesar de já ter pego um ou outro "fogo homérico", o primeiro com menos de dez anos (mas, isto é história para outra hora). No domingo, na hora do almoço, acompanhando a
macarronada, sempre vai bem um copo de um bom vinho tinto e seco. O único problema é que eu
não gosto de beber se não tiver companhia. E a Nina, em matéria de bebidas, só
acompanha se for Guaraná “Zero”.
Nada como uma boa dose de whisky, em final de tarde, sendo
bebido aos golinhos, ao longo de um bom bate papo. O problema é que, em dias de
“Lei Seca”, ninguém quer arriscar-se a enfrentar um bafômetro, mesmo que só com
um golinho de bebida. Incrível! Meus amigos aderiram à Coca Cola. Nem ao menos
uma cervejinha. Vão de Coca Cola. E “Light”, ainda por cima! Vai daí que, aqui
em casa, entra muito mais bebida do que sai. E o estoque ficou grande. Para o
vinho, tudo bem. Todos os dias, no almoço, meu pai toma vinho tinto. Apenas 3/4
de copo, mas o suficiente para consumir as garrafas que ganho e manter o
equilíbrio do estoque. E ele consome sem nenhum medo do bafômetro, já que, com
97 anos de idade, nenhum guarda de trânsito irá pará-lo. Mesmo porque já não
dirige mais.
Uma saída para as demais bebidas é ir dando de presente a
amigos, em seus aniversários. Só que, assim como eu consigo me desfazer de
algumas garrafas de bebidas dessa forma, estou desconfiado que alguns amigos fazem
a mesma coisa. Ganham e dão de presente. É possível até que alguma garrafa,
depois de ser presenteada várias vezes, tenha retornado à minha casa. Inclusive,
estou pensando em inovar, estatisticamente, nesses presentes com bebidas. Na
próxima vez em que presentear alguém dessa forma, vou colar um papel na parte
traseira da garrafa, com os dizeres: “Ao presentear alguém com esta garrafa,
anote a data e o nome do presenteado”. Assim, poderei ver todo o caminho que a
garrafa seguiu, por quais mãos passou, e quanto tempo levou até retornar a mim
sob a forma de um presente de amigo.
Antigamente, lá pelos anos cinqüenta do século passado, até
que as pessoas davam bebidas de presente. Não para mim, lógico, mas para o meu
pai. Eram aquelas garrafas de bases ovaladas e revestidas de palhinha, do
italianíssimo Chianti Ruffino. Só fui entender que era um vinho muito bom
muitos anos mais tarde. Mas, os presentes sob a forma de bebidas não eram tão
comuns como hoje. Lembro que meu pai, contador, ganhava presentes de seus
clientes agradecidos, em cada final de ano. Perus! Isso mesmo! Perus!!! Aquele
bicho que, com complexo de pavão, abre o rabo em forma de leque e canta
“glu-glu-glu-glu-glu”. Pelo menos não eram cacarejantes. Eram legítimos perus
glugluglusantes. Todos vivos. E como glugluglusavam! Em 1952, apesar de pequeno
lembro bem do ano, pois foi quando nos mudamos do Brás para a Aclimação, meu
pai ganhou, de seus clientes, nada menos que oito perus. Todos cantores e vivinhos da silva! Todos
soltos no quintal, pois ainda não havia dado tempo de meu pai fazer um
galinheiro. Ou um peruzeiro, sei lá! Não sei como a vizinhança não expulsou do
bairro aqueles recém chegados folgados, donos de um coral barulhento e formado só de perus. No Natal daquele ano, meu pai deu peru vivo e glugluglulejante
para a família toda. Que cada um o ajudasse a resolver seu problema.
Mas, teve o pato. Pois é! Ainda morávamos no Brás quando,
num final de ano, meu pai ganhou um pato. Vivo, lógico, que pato morto e limpo,
no supermercado, só existe agora. O pato, enquanto aguardava o momento de ser
devidamente defenestrado e deglutido, foi solto no quintal. Quem, parece, não gostou muito da
história foram as galinhas. Pudera! Todas presas no galinheiro enquanto aquele
bicho passeava pelo quintal (perdoem-me as más palavras, senhoras) rebolando sua bunda de um lado para o outro.
Pato nada? Diziam que sim. Como não tínhamos uma lagoa, no
quintal, a Meméia (se minha irmã Maria Amélia descobre que eu revelei, aqui, o
seu apelido de infância, é capaz de me esganar) e eu resolvemos colaborar com o
pato e construir um lago inteirinho só para ele. Cavamos um enorme buraco, de uns
50 centímetros de diâmetro e, no máximo, dez centímetros de profundidade (não
esqueçam que éramos pequenos e não tínhamos condições físicas de fazer um lago
maior) e o enchemos de água. Só que a terra absorvia a água. E nós jogávamos
mais água. Até que tudo aquilo virou uma enorme poça de lama. Mas, já estava
muito bom. Lama ainda era melhor que nada, para nadar. Só que o pato não
apreciou nosso trabalho e não quis entrar no lago. E tratava de fugir. E nós o
pegávamos e o jogávamos na lama.
“Nada, pato!”, ordenávamos.
E o pato, nada de nadar. E fugia
novamente. Ora, se não queria nadar por bem, nadaria por mal. Meméia e eu nos
munimos de vassouras para impedir que o pato fugisse do lago. Ele teria que
nadar, nem que fosse na base da pancada. Foi nessa hora que minha mãe veio ao
quintal ver o que fazíamos. Pois não é que ela ficou do lado do pato? Apoio
total ao palmípede, confiscando-nos as vassouras e nos pondo para dentro de
casa.
E foi assim que o pato, que não gostou da lagoa, não
precisou nadar. E surgiu o provérbio: “Pato, em lagoa estranha, estranha!”
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Ontem, 16 de maio, no final da tarde, Nina comentou:
"Há 44 anos, neste horário, eu estava esperando por você, na porta da igreja. Você não fica envergonhado, não? Ainda bem que eu já estava acostumada com seus atrasos, né?"
Pois é! Completamos 44 anos de casados e até hoje rimos do fato de eu ter chegado à igreja meia hora depois dela. O importante é que continuamos nos amando como se sempre fosse o primeiro dia.
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Ah, sim! Na foto, Meméia e Zezinho na charrete puxada a bode, em São Lourenço/MG, em 1947.
Abração e até à próxima.
JF